É próprio do homem inquietar-se com o além-mundo, com o seu destino ultrafísico, inquietude que se aguça de vez em quando por efeito de algum padecimento ou por encontros com enigmas que a inteligência tem procurado em vão desvendar. O espectro da morte o aterroriza. Contempla seu ser físico e se estremece pensando que pode perdê-lo, que o perderá irremediavelmente; e pergunta a si mesmo, com insistente ansiedade, se lhe seria possível escapar dessa imaginada voragem que o vai levando inexoravelmente à desintegração total de sua existência. A essa indagação a inteligência não responde, guarda silêncio, mas internamente a inquietude se aprofunda e chega às vezes ao desassossego.

Quem, senão o próprio espírito, promove tais desassossegos?

Quem, senão ele, induz o homem a buscar o saber? Mas não o saber comum, que atende às exigências da vida corrente. Referimo-nos ao que enriquece a consciência, ao que transcende a esfera vulgar do mundo para dominar, na medida de sua extensão, o imenso campo mental, o metafísico, povoado pelos pensamentos e pelas grandes ideias. Nesse âmbito de incontáveis milhões de entidades ultrafísicas é onde o espírito individual costuma captar as imagens mais valiosas, das quais faz o ente físico participar quando se estabelece a íntima correspondência entre ambos, com vistas a uma plena identificação.

De certo modo, o ente físico poderia ser comparado a um televisor. Sem a antena, as imagens ficam confusas, mas aparecem nítidas com ela. No caso do ente físico, ninguém deixará de perceber quem faz as vezes de antena, só que não é fixa, mas sim móvel e, portanto, de longo alcance na medida em que aumenta sua capacidade receptora, ou seja, quando o espírito, escalando alturas pela evolução, domina áreas cada vez mais dilatadas da concepção universal.

Acontece que o homem, ao experimentar essas inquietudes, procura satisfazê-las sem pensar que elas implicam um chamado à sua razão e à sua sensibilidade, para que sinta a necessidade de dedicar-se à sua emancipação integral.

Pode-se muito bem afirmar que pouco ou nada já se disse de certo a respeito do espírito humano, justamente por se carecer de conhecimentos que revelassem o profundo mistério que o espírito representa para a razão do homem.

O constante anelo do homem de expressar-se, de comunicar-se, demonstra que seu ser não é inteiramente material, que algo superior anima sua vida e lhe permite pensar e sentir; é como algo que ele não vê nem pode tocar, mas cuja existência suspeita, pressente ou intui.

Esse ente, que articula seus movimentos na penumbra mental a que a inteligência do homem, sem o auxílio de vastos conhecimentos, não tem acesso por razões óbvias, é seu espirito que, a medida que toma maior ingerência na vida que anima, ilumina o âmbito interno e com isso aparece claro o porquê da origem das inquietudes espirituais.

Extraído de O Espírito, pág.23


Carlos Bernardo González Pecotche, também conhecido pelo pseudônimo Raumsol, foi um pensador e humanista argentino, criador da Fundação Logosófica e da Logosofia, ciência por ela difundida. Nasceu em Buenos Aires, em 11 de agosto de 1901 e faleceu em 4 de abril de 1963. Autor de uma vasta bibliografia, pronunciou também inúmeras conferências e aulas. Demonstra sua técnica pedagógica excepcional por meio do método original da Logosofia, que ensina a desvendar os grandes enigmas da vida humana e universal. O legado de sua obra abre o caminho para uma nova cultura e o advento de uma nova civilização que ele denominou “civilização do espírito”.